quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

LENDA UMBILICAL

Ser um na árvore,

ser a sombra que assombra

como a fome na escuridão das raízes,

ser o tronco e a seiva

ou não ser nada no esconderijo

do lenho

que virou madeira

para o meu telhado,

ou um trono nobre

que faz as cercas para o gado,

que não vira a mesa do acaso...

Madeira,

vira papel que escrevo agora

vira o piso do meu tablado

que vira casca e a lasca,

o símbolo de uma nação;

a cruz ,

da redenção,

para uns,

ou da discórdia

para quem ardeu na fogueira...

Ser nó da madeira?

Que importa,

sobre o capuz

nada é imperdoável...



LUCIANO FRAGA



Livremente inspirado em trabalho do artista plástico Ruela.

mosaico de rancores: 25

Não se precisa mais do que um par de pernas indigestas para ser vítima de um assédio. E esta noite tudo que espero é ser devidamente subtraída. Um jogo de sedução no qual não há damas nem reis nem rainhas, apenas xeque-mate e cavalos mansos que se deixam acariciar. Olhos de cegos julgam meus atos. Oráculos não desvendam meu destino. Mandalas giram como cinzeiros encima da mesa. O garçom se aproxima com passos rápidos e certeiros. Um copo de gim. É o que se pede em filmes americanos. Carrego rancores e disfarço. As máscaras vestem meu rosto e são minhas feições mais verdadeiras. Homens passam e devoram pedaços indesejáveis de mim. Ruminantes. Sinto meu coração pulsar através da minha jugular. Tenho litros de amor a oferecer, mas não posso despejá-los sobre qualquer taça. Corda bamba. Cavalos relincham ao meu redor, ignoro. Um rapaz toca levemente minhas coxas e me convida para dançar. Aceito, sei das suas intenções e elas são exatamente as mesmas que as minhas. Suas mãos deslizam sobre minhas costas e tocam meus quadris. Tremo. Elas são macias e quentes e despertam despudores. Gaivotas galopam meu corpo. Dentes perfeitos mastigam minha carne. Peixes nadam em meu umbigo. Um rio verde e calmo explode dentro de mim. Remos me conduzem. Retalhos são sombras de coisas mortas.


marcia babieri

domingo, 14 de dezembro de 2008

MOSAICO DE RANCORES: CAPITULO 23

Serpentes dançam sensuais em seu mundo. Não me sobra nada além de guizos e venenos. Você não foi capaz de me discernir. Eu não sou a comida que eu vomito, nem sou costurada com a mesma linha imprestável dos meus vestidos. Caracóis saem de suas cascas e riem da minha desgraça. Lúcido, você se confunde com seus flashs, com seus brilhos insuportáveis. Tripés. Lentes sujas. A sala agora tem a dimensão de uma fotografia 3 por 4. Os objetos fogem dos meus dedos, calos enormes atrofiam minhas mãos. Não sou Cristo, não tenho chagas, mas minhas feridas sangram com ardor divino. Não tente apalpar o impossível. Deus tentou me alertar, pena que nunca acreditei em ninguém. Cega. As traves incomodam meus olhos. Olhos na testa. Peixes mortos fingindo vigílias. Insulinas e agulhas, jamais aprendi a conviver com elas. Cateteres povoam meus braços. Morro e a morte cheira álcool e éter. Não posso continuar aqui esperando Lúcio voltar. Talvez ele não volte. Talvez tenha encontrado consolo em outros braços, em mundos menos complicados e exigentes. Um lugar onde as luzes penetrem docemente as janelas e haja violetas e gerânios na varanda. Aqui, a luz é vulgar e indecente e os cactos apenas sobrevivem sugando a fresta da minha escuridão. Pequenas cavernas se escondem no porão. Saio e procuro desejos. Sodoma e Gomorra e minhas ruelas estreitas espremendo vértebras. Alguém que possa tocar a minha pele e me causar arrepios. Um rio verde e tempestuoso escorre da minha boca. Mastigo carvalhos e cuspo flores. Minha vida descansa solene à margem.

marcia barbieri

carta resposta

Com todo o tempo que eu não tive quando ainda sofria ao seu lado, fiz de minha memoria o passatempo do meu tempo e aprendi a fazer listas de preferencias, exatamente como os orientais fazem, não sei extamente onde isto vai me levar, não sei nem mesmo se vai me levar, o que eu sei com toda a certeza é que agora as coisas ficaram mais às claras, apesar de ainda confusas, você ainda é presente em mim, como um mosntro para uma criança na hora de dormir, sei que você não estar mais aqui mas a sua presença me dar medo e me assusta.
A sua carta não me surpreendeu, eu sabia que este incomodo viria a qualquer momento, logo que eu a recebi, estava decidido a não abri-la e queima-la fechada mesmo, depois pensei em guarda-la, é guarda-la fechada mesmo, como um trunfo, que se exibe para os derrotados, mas alguma coisa dentro de mim fervia enquanto eu olhava e via aquela carta como uma arma letal que poderia ser usada contra mim se eu não a abrisse.
Li e reli a sua carta e confesso que não vou responde-la, escrevo esta tentando não ser uma resposta, antes quero lhe dizer as verdades que você sufocou todos esses anos de ausencia ao meu lado, engraçado, quando ao meu lado você aterrorizava a minha vida, sua ausencia era o meu terror, hoje quando já separados, sua presença é uma dor que eu tenho que carregar e parece para todo o sempre.
As palavras que escreveu me perseque com o som de sua voz em meu ouvido me acusando, me diminuindo e chorando seus fracassos em mim como um rio de lama que insiste em morrer e continuar vivendo.
Mas eu quero lhe falar de minha lista de preferencias, onde a musica não estar presente em nenhuma etapa, você matou em mim todo o gosto e a capacidade musical, hoje é a matematica o meu forte e agora que eu concluí o curso de matematica basica confesso que sei menos ainda, mas com uma felicidade enorme carrego na pasta o certificado de conclusão.
Você por certo vai rir e dizer que na minha idade e posição intelectual, eu já devia ter desistido das besteiras adolescentes e me focar na filosofia que é o meu forte.
Mas na verdade a matematica me sufoca e eu precisava de um alivio.
Mas para seu conforto e desespero eu apresento sem mais discussões a minha lista de preferencias:
1- Ser doutor em matematica inconclusa
2- Esquecer você
3- Ler todas as cartas que eu escrevi pra você e não mandei
4- Me mudar de país
5- Aprender a tocar piano
6- Aprender ter ritmo ( eu sei que sou desafinado e que não sei nem mesmo dançar dois pra lá, dois pra cá)
7- fazer teatro( a nossa vida de casado foi sempre uma comedia, hoje eu me interesso pelas tragedias)
8- Arrancar você de dentro de mim
9- Saber de seus segredos e divulgar para o mundo
10- Fazer morrer o eu que você machucou.

Saiba que eu escrevo esta carta, como se não tivesse lido a sua, em um esforço desconhecido pra mim, estou evitando responder a todas as suas insinuações e pautando a minha carta em meus devaneios, estou tentando não ser um reativo, não responder antes apresentar as minha questões, pra você pensar.
Quero encerrar esta carta pequena, afirmando que não sei o porque, mas não quero lhe ver de novo, mas que me agradaria muito um convite seu convite para que tal aconteça.
Sem mais deste ser que você tanto maltratou e que agora lhe ver a distancia e que é feliz na solidão dos seus pesadelos.

ronaldo braga

domingo, 30 de novembro de 2008

se eu pensasse um poema

Se eu pensasse um poema, teria ele a mim.
Não seria broto, nem jorro.
Seria o inverso.
Não rangeria os dentes.
Não guardaria a casa.
Não seria lobo, nem cão.
Seria poeminha de estimação.
Se eu pensasse um poema não seria ele a dor.
Porque um poema me explode.
Me abre, me rompe, me cega e me guia.
Um poema não me vive.
Um poema não me come.
Não me embriaga.
Não me mata a fome.
Não me castiga.
Nem mimo, nem intriga.
Se eu pensasse um poema não seria ele esta cor indefinível do crepúsculo.
Das sombras e sobras nos meus contornos.
Nas minhas margens.
Nas minhas sondagens.
Nas minhas obscuras:
Paisagens.

alyne costa

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

sorriso de aluguel

sorriso de aluguel

como em um possesso jogo desesperado
almas sofridas desfilam
poses
em um interminavel carnaval de derrotados.

E os poetas da paz
beijam os anjos em noites de lua preta
e
assassinam a vida em seus belos versos corrompidos.

É um tempo de mentiras,
de vidas interditas,
e de poetas que soluçam sorrisos de aluguel
e insistem
nos fluxos invernosos que extrapolam os verões e
calam os beijos.

E é um tempo de verdades,
pois sei,
no olhar dos amantes a palavra recorta o murmurar
e desafia o cantar surdo
numa canção aos corações soturnos e delicados.


ronaldo braga

domingo, 16 de novembro de 2008

OBRA PRIMA

OBRA-PRIMA


Ele realmente não se sentia bem. Uma bruta ressaca e aquela típica vontade de morrer que sempre cerca os desesperançados. Mas para ele ainda havia esperança, ainda que fosse pouca. Muito pouca. Olhou a porra do rosto no espelho retrovisor. O lado direito parecia o lado direito de um monstro, inchado, roxo, cheio de sangue seco e de sangue pisado. Que merda! Que grande merda!

Acendeu o cigarro e deu uma longa golada na última garrafa de cerveja. Nada disso faz diferença, pensou, nem a estrada, nem os pássaros, nem esse rio (porque o carro estava parado bem próximo do rio) nem o céu, nem porra nenhuma, se a gente vai pro saco, se a gente entrega a rapadura, se a gente vai embora, tudo isso continua, e o sol continua, e a chuva continua, que bosta! Estava mesmo perdendo as esperanças, ainda havia uma última, mas ele com certeza não ficaria com ela, era só uma questão de tempo.

Então terminou a cerveja e jogou a garrafa no rio. Que se fodesse a ecologia. Acendeu outro cigarro, que se fodesse a saúde também, e foi fumá-lo embaixo de uma árvore. Olhou o relógio. Ela estava atrasada. Porra! Ele tinha enfrentado toda aquela encrenca. Tinha apanhado mais que um cachorro vagabundo e agora ela se atrasava. Era mesmo pra qualquer um perder a paciência... e a esperança. Jogou a bituca do cigarro no chão e a apagou com a sola da bota. Tirou a gaita do bolso e começou a tocá-la, não tocava muito bem. De qualquer forma aquilo ajudava a passar o tempo.

Antes de terminar a primeira canção, porém, viu-a surgir junto ao Sol que nascia, no fim da estrada. Sorriu, era aquele último pouquinho de esperança. Ela veio vindo feito um gato, quando ele, o gato, anda meio de lado, com cuidado e sorrateiro. Usava um daqueles vestidos de hippie azul que ficavam tão bem nela. Ele levantou, guardou a gaita no bolso e limpou a parte de trás da calça. Sorriu, e o rosto machucado doeu.

- Nossa você está horrível, caubói. – Ela disse tentando tocar o rosto dele, mas ele evitou.
- Sua família, aqueles anjinhos, fizeram isto.
- Que merda!
- Não tem importância. Vamos? Não podemos perder tempo.
Ela sorriu de lado. Realmente parecia um gato. Olhou pro rio. Olhou para as árvores. Olhou para o céu e para o chão: nada disse.
- Que foi? – Ele perguntou – Qual é o problema?
- É que estou confusa, não tenho certeza de que estamos fazendo a coisa certa.
- Como assim?
- Não sei. Só sei que estou confusa.
- E só agora que você me avisa, Ana, que grande merda! Depois de tudo que eu me fodi, você vem me dizer que está confusa.
- Não tenho culpa é que...
- Faça-me um favor, volte pelo mesmo caminho que veio.
- Não precisa ser assim, Danilo.
- Como não? Eu arrisquei tudo. Isso não é brincadeira, porra, é a nossa vida, menina. É a minha vida. Não posso mais voltar pra casa. Não tenho mais nada.
- Desculpe... eu não queria...
- Tudo bem, não faz diferença. Pegue minha gaita, um último presente, e volte pra sua casa.
- Você vai ficar bem.
- Não, mas foda-se.
- Desculpe.
- Tudo bem.
- Caubói?
- Fala.
- Não posso aceitar a gaita.
- Pega logo a porra da gaita e sai da minha frente, pelo amor de Deus.
- Desculpe. – Ela ainda disse mais uma vez, entretanto ele não disse palavra. Ela virou de costas e foi caminhando pela estrada. Diminuindo aos poucos, ficando cada vez menor, sua imagem ficou estremecida, por causa do Sol e, por fim, desapareceu. Ele caminhou até o carro, um Maverick, é necessário dizer, apanhou no banco de trás uma espingarda calibre doze, apoiou-a no chão, tirou a bota e a meia, colocou o dedão do pé no gatilho, a boca no cano e pressionou o dedão pra baixo. O estrondo fez os pássaros voarem das árvores, junto à última esperança que escapou do corpo do rapaz.

Minutos depois, uma jovem artista, pintora medíocre de paisagens, chegou ao lugar. Antes de chamar a polícia resolveu pintar toda a cena.

E pintou uma obra-prima, porque a morte ainda estava por ali e deixou o ar mais denso e nenhum artista, ainda que fosse medíocre, poderia ficar indiferente a toda aquela atmosfera. As pessoas que viam a tela, mesmo vinte anos depois, ainda se emocionavam, sobretudo com o pé descalço do rapaz.

Daniel Lopes

domingo, 2 de novembro de 2008

Sobra de Canção

Restam as minhas sobras, levadas ao vento...
E eu me pergunto o que não sou?
Desde que não estou junto a ti?
Tudo é difícil...
Vejo o amor como um parque repleto de alegorias.
Gangorras e almofadas coloridas.
Espero uma resposta na chuva que desaba em mim:
Lembranças, fragâncias, fotografias e questões.
Triste eu abro os olhos e vejo o amor.
Desenho meu retrato nas paredes dos banheiros.
Risco versos obscenos.
Corto minha alma em fina lâmina.
Nada sangra...
Apenas uma distância que não aparta, nem divide.
Surgem visões de pássaros e rãs...
Um piano toca só.
Acordes por nós dois.
Datas marcadas na agenda.
Esperas, compromissos, filmes adiados.
Encontro marcado com a solidão.
Monólogos, teses, coisinhas inúteis...
Poemas abortados.
Faço minha a chama da sua solidão.
Arrisco previsões.
Desligo todos os telejornais:
Chacinas, política, arriscadas econômicas...
Abraço o travesseiro e sonho.
Qualquer coisa me mostra pulsos cortados...
Corpos mutilados, carbonizados, canções boêmias como não se fazem mais...
Sirenes ressoam:
Polícia ou Ambulância?
Nada me assusta, apenas dói...
Enquanto aguardo a vida voltar a cantar cantigas de roda, cantigas de amigo, cantigas de amor...
Cantigas de Paz...
Ai, mundo diferente...
Gente assustada.
Amordaçada.
Gente com medo de gente.
E eu canto uma canção que não sei.
Uma canção que passará.

Alyne Costa
Salvador, agosto de 2007

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

dormindo em cima da propria merda

Tem sido duro e dificil escrever pra mim nos ultimos dias, e essa dificuldade acaba por se tornar o meu assunto, expediente que já venho usando e abusando, revelando uma total falta de criatividade e até mesmo vindo ao encontro de afirmações maldosas contra a minha escrita.
Escrever como um ato de revelações de foro intimo há muito está totalmente fora de questão, por razões meramente geopolitica e ainda mais numa idade em que tudo começa a perder o colorido e ganha aquele tom acizentado, onde se impõe certezas de um "não é bem assim", por outro lado o escrever passa a ser ele mesmo o meu argumento e conteudo, permitindo um juizo de valor do proprio ato da escrita.
Pensar politicamente para mim já faz muito tempo se transformou ou em um ato de intolerancia aos poderes constituidos ou em um ato completamente incorreto, a vida cresceu e se tornou exigente, não mais suportando frases prontas ou posições onde nada mais que a torcida ou a fé prevaleça, a fé é um contorno de auto ajuda onde falta fé em si e sobra espertezas e golpes em todo o corpo da propria fé, uma liturgia do fracasso, onde o derrotado é louvado como um vencedor e pode então dormir em cima da propria merda.
Tem dias que as palavras só tem sentido fora da sua propria representação, como um oco que propaga seu proprio nada, e então é nestes solenes momentos que eu junto letras e formo dores, ou vazios, que ameaçam, que assustam mas que pode ser uma estrada torta e é nesse caminhar que minha alma melancolica estanca admirada pelo nada dos simbolos, por que eu os vejo, palavras e coisas, separadas e em linhas completamente adversas, já não mais existe o entendimento imediato do acordo e eu posso como um lunatico saber das mentiras das palavras e ver e ler sentimentos e intenções.
Escrever ainda é inutil, por que sempre foi inutil e essa inutilidade nutre e fortalece o meu existir, desprovida de uma função socio religiosa, o escrever ganha uma dimensão magica e então morde seu proprio pé.
Palavras desfilam em memorias cheias e tumultuadas e eu sinto a necessidade de um esvaziamento, de uma direção e sei o quanto tolo é o sabio, esquecido em catalogar quantidades e sem tempo para o seu proprio devaneio.
Eu escrevo não o que sinto, antes escrevo sobre o que sinto do meu sentir e o meu corpo, não é um peso, mas sim um eu mesmo fisico, onde uma luta precisa ser travada e o conhecimento escolhido. Não há lugar no corpo para o sabio, para ser sabio é preciso primeiro assassinar o corpo e mergulhar na fé do ensinamento, do controle e acima de tudo do sofrer e do pior objetivo que pode existir numa pessoa: a capacidade de se acreditar portador de uma missão. Eu escrevo para o corpo e para os sentidos vindo dos sentidos, eu sou um paradoxo E meu paradigma é a minha propria queda.

ronaldo braga

domingo, 12 de outubro de 2008

Poesia

Palavra



Haviam poetas tortos

pequenos errantes

sem porvir

aqueles papéis esvoaçantes de

letras castas

sem ferir

interpérie espécie

viver à luz

de qual miséria?

Miséria é letra vazia

daquela de nada dizer

de um tal discurso

tocado ao vento

e que, sem perceber,

some.

Palavra é para ser respirada.



Beatriz Rodrigues [também conhecida como Bigatrice]

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A POESIA DE DANIEL LOPES

TRÊS


Já aprendi a ir embora
O que não quer dizer que não doa
Eu empresto meus pés ao vidro
Eu empresto meus olhos aos punhos
Eu empresto meus dentes ao caos
Eu ofereço dez mil faces novas a dez mil mãos espalmadas

Não é por bondade
Nem é por maldade
É por ser gente

Há muito
Deixei de entoar cantigas de guerra
Mas invento novos impérios vermelhos
E crio línguas outras
E faço as religiões que me convém.
Não sei se é já esta a minha hora
Quem sabe?

Mas enquanto as borboletas,
De asas dadas, vêm trazendo a primavera
Deixo um conselho simples às lebres
- Não se metam com a fúria do Leão.

DANIEL LOPES

domingo, 28 de setembro de 2008

A POESIA DE ALYNE COSTA

Amor de praça é amor de graça
O caboclo do alto apenas vê, atado à sua condição de estátua.
Camponesas, Apolo e Diana abençoam o beijo ateu.
O pastor prega.
Crianças passeiam, festivas e belas.
Desfilam meias coloridas e o algodão-doce pincela o céu.
O namorado avassala um beijo.
E o chafariz mija de rir.
O coreto mudo chora a nostalgia...
De um tempo que amar não custava nada.

ALYNE COSTA

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

a poesia de orlando pinho

consumidores atávicos abjetos ativos
estragam matam devoram qualquer coisa
que se mexe
aprisionam aliciam docilizam
todo corpo vivo
revolvem escavam reviram toda
espécie de brilho
mares rios florestas solos
mentes corpos construções espíritos
tudo depósito de lixo
não sobra sol pra coração nenhum
pulsar em paz
a não ser em estado omisso.

orlando pinho
nasceu em santa barbara mora em cachoeira - ba

domingo, 21 de setembro de 2008

A poesia de Daniel Lopes
malícia feminina

HOJE
Minha menina dormiu a tarde toda comigo
E eu fiquei sem saber
se ela gostava de mim,
ou de dormir.

http://pianistaboxeador21.blogspot.com/



A escrita de Marcia Barbieri

MOSAICO DE RANCORES: CAPÍTULO 10


As facas estão a um centímetro da minha jugular. Não tenho medo, há muito tempo o sangue escapa do meu corpo. Olhos de peixe. Finjo dormir enquanto minhas pálpebras permanecem bem abertas. Por anos carreguei toras de madeira nas costas, pecado, crucifixo.Agora não posso evitar essa fogueira interminável, alastrando árvores, carregando carros, derrubando casas, afogando gente. Será que as coisas ressurgem mesmo das cinzas? Tenho minhas dúvidas, já provoquei muitos incêndios, mas não tenho visto nada de bonito nascer deles.Vênus abordadas.O sol bate na minha janela, aquece as cortinas, os retalhos, os restos de mim... Posso escutar o Lúcio: “Você não está vendo o sol que está lá fora?! Feche essas cortinas!” . Não, não vejo, embora o alumínio queime as pontas dos meus dedos.Não adianta, eu nunca me lembro, e é sempre a mesma fumaça que engulo. E ele nunca se preocupou, a fumaça está me asfixiando e ele nem percebe. A voz da minha irmã ecoa no velho quarto: “Deja me ajuda, me ajuda, não consigo respirar”. E daí? Não foi a asma que a matou, foi o ódio saído daquele maldito revólver. “O ciúmes é tocha em boca de alcoólatra”. E Happiness is warm gun. O que posso fazer? Me fingir de idiota como a maioria? Fingir que sou cega? Fingir que o seu sexo povoando mundos não agride o meu amor? Espadas perfuram meu útero e nem por isso gozo. Lâminas me cortam e nem por isso sangro. Eles podem gritar, eu não estou errada. Eu sei que muitas vezes abismos enganam meus pés e a fumaça que entra por aquela janela atrapalha e faz arder os meus olhos. Olhos de peixe. Mas ainda assim eu consigo caminhar com meus próprios pés.O rio verde e calmo ainda despenca no meu quintal. Vejo cardumes boiando. Milhares de olhos me observam e eu tropeço invisível sobre as pedras.

http://avidanaovaleumconto.blogspot.com/


A poesia de BIAZINHA
gestação poetica

para MarcioMiranda e Luciano fraga

Um poema é feito de palavras
palavras que são ocas
às vezes muito loucas
que dependem das bocas
que as cospem no ar.
Mas as palavras também pesam
com substâncias e consonâncias
que mordem,
agridem e sangram
na massa, carcaça
com chifre no rabo
barriga na cabeça
e a cabeça na asa
que voa
e se esfumaça no céu.
Aí a palavra se esquece
que um dia teve um pai
que a pariu e a proferiu
e a prendeu com algema
que irrompee virou poema.


Biazinha

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

a poesia

Na solidão,
a poesia, mordendo
entre
os sopros não compreendidos dos amantes,
é uma aparição desalmada e desesperada na alma,
desabrochando as tristezas aos borbotões.

No verão
a poesia nos convida,
em fluxos invernosos
a extrapolar serões e assassinar beijos.

A poesia então,
crua
cresce
a desafiar o cantar surdo
de todos os lares.

E potente,
a poesia,
nos chama
a beber o veneno do silencio e
matar para sempre o amor.

No silencio do nada,
a poesia
expulsa para longe de si,
o gosto amargo da felicidade
e dorme o sono da flores,
ouvindo as canções soturnas e delicadas.

E lá fora um desalento, um insistir...

E lá fora um insistir, um desalento...


ronaldo braga

terça-feira, 16 de setembro de 2008

2 textos de Maria Branco e uma poesia de Luciano Fraga

Ausências


Procuro e não identifico a sua presença no filme, sei que é você, mas a voz lenta faz com que seja efetivado o descolamento entre a imagem e o som, a lembrança do seu rosto ou o tom da sua voz me parece tão distante que não consigo alcançar...

Eu sabia que esta imagem ia ser decisiva para a sua partida, era voce indo e eu sentindo uma ausência absurda, um vazio tão grande que não cabia em mim....

Era a sua irreverência expressa na lentidão das articulações do primeiro minuto da cena do filme...

A Ausência em que voce expressa o sentimento da ausência, é vista de forma muito absurda porque você não tinha a referência da Presença...

Sei que é humanamente impossível sentir a falta de algo que nunca se teve, chega a ser um exercício do sobrenatural, onde a relatividade passa para um segundo plano e voce assume o primeiro plano de cena.

Você quer saber da credibilidade e eu instigo a veracidade, acho mesmo que você não é um monstro, acho que voce não pode ser um monstro, ainda mais, um monstro produzido em laboratório.

Você até pode ser um monstro, mas do tipo que se formou sozinho, não motivado pelas ausências, mas sim, pelas presenças dos seus fantasmas mal resolvidos... dos fantasmas que você não conseguiu delinear, não conseguiu fotografar e agora tenta me assombrar nesta noite infame!

Não irei me deixar levar pelas suas loucuras, a sua ausência de juízo sempre me importunou... eu que sempre tive a lucidez suficiente para nós dois...

Você foi minando a minha confiança em você, depois foi minando a minha confiança em mim e, finalmente, tenta me apresentar um monstro como fiel parceiro para as noites insones...

Eu não me identifiquei com o Frankie, porque não lhe vi nele, porque não conheço equipe de cientistas que fosse capaz de produzir algo tão absurdo, algo tão latente em mim, algo tão distante de você...

Eu não vou voltar para a sua casa, enquanto ele estiver por lá, eu vou estar ausente durante todo o período da exibição da ausência, e vou estar presente quando voce me presentear com o seu presente isolado do futuro, sem sombras de passado.

Só peço que me entenda, pois se não lhe reconheço, não posso pedir perdão, seria o mesmo que rezar sem a fé necessária, sem as crenças, sem as velas, sem a luz, sem a fala, sem você.

Estarei ausente por um longo período, portanto, procure me manter viva em suas lembranças mais remotas, de forma que no dia seguinte, você possa me reconhecer no primeiro olhar e no último beijo.

Esta é a sua única chance de recuperar a maternidade perdida, inexistente, inócua, incolor e inodora, porque, uma vez que voce não mais bebe, de que adiantaria rolar um mar de lágrimas?

Procurarei, ao acaso, me manter mais próxima durante a minha ausência, assim você terá ao menos a mim, quando sair desse transe.

Eu ainda vou ter que lhe reconhecer, portanto, não demore muito para ir embora, assim corre o grande risco de que eu finalmente decida fugir com voce!



11/08/2008




A FUGA


Iniciei a minha fuga, naquela noite fatídica, sob forte chuva de verão. Corria descalça, levantando as pontas do vestido vermelho, que se arrastava pelo chão, confundindo e manchando as águas das enxurradas com um tom vivo, reproduzindo o rio de sangue que corria dentro de mim.

Eu corria enquanto chovia e, chorava enquanto corria. Éramos eu e o Mário Quintana, que solidariamente, corria ao meu lado. Corria o Quintana, através da sua “Maria Pluviométrica”.

Estávamos felizes, parceiros em sintonia, eu com a minha aventura noturna, ele, por ver de forma cênica, a sua personagem ganhando vida. “Quanto mais chovia, mais Maria chorava”, e íamos acelerados ladeira a baixo.

Lembrei-me, naquele instante, do Fernando Sabino, que, através de um personagem do Encontro Marcado, sussurrava em meus ouvidos: “Não analisa não”, e pensei porque logo eu fui usada nesta fala, embora não houvesse marcado encontro algum.

O grande objetivo, que só muito mais tarde iria perceber, era ir ao encontro de Maria, ao seu infinito particular, arrastando o vestido que deixava um rastro vermelho... na minha chuva de lágrimas.

A chuva forte se encarrega de apagar os rastros, o que culminava com a minha decisão de não ser seguida. O Quintana era para mim o bastante, que mais poderia desejar, além de chorar?

Chora Maria, corre Maria, pois, ainda chovia. Esta tempestade ia me descolando da realidade, retirando todos os pesos e fardos e, lá estava eu a levitar.

Era lúdico perceber o desenho de Maria que corria, com seu vestido cigano, seus tons, seus sons e soluços. Era doce como o Quintana e, irracional como Maria nunca planejaria ser.

Lá vai Maria, noite adentro, sem medo, sem amarras, sem sapatos, livre como um passarinho sem dono...

A chuva não parava e Maria, também não. O dia anunciava seus primeiros raios de sol. Maria, de alma lavada, cabelos encharcados, ia suavizando os seus passos, sem identidade nem passado.

Era uma nova Maria que renascia, um dia após o Quintana ter encenado o seu poema.

Vai Quintana, vai depressa e diz a Maria sobre a sua alegria. Vai Quintana, vai sem receio receber o carinho que ela sempre guardou para você. Vai ao encontro da sua personagem única, pois, quando a chuva cessar, Maria retomará suas forças, olhará para o horizonte e terá a certeza dos novos tempos.

Será o início de um lindo tempo, onde todo dia será dia de Maria.


MARIA BRANCO

e uma poesia de luciano fraga

BALADA PARA UM HOMEM SÓ



balada para um homem só
Tudo, tudo, tudo
era um mar de rosas,
quando o amor
virou um cruzamento...
Na esquina,
tinha um banco
noutra o apartamento.
Ao invadirmos o sinal fechado,
o inevitável desastre
com morte do acasalamento...
Agora,
no fim de linha
da Rua das Flores
eu sou o cara
que girassol...
E se o dia não permanecer
escuro
é porque sou um ex- poente
no asfalto
implorando
por um novo horizonte...

LUCIANO FRAGA