terça-feira, 16 de setembro de 2008

2 textos de Maria Branco e uma poesia de Luciano Fraga

Ausências


Procuro e não identifico a sua presença no filme, sei que é você, mas a voz lenta faz com que seja efetivado o descolamento entre a imagem e o som, a lembrança do seu rosto ou o tom da sua voz me parece tão distante que não consigo alcançar...

Eu sabia que esta imagem ia ser decisiva para a sua partida, era voce indo e eu sentindo uma ausência absurda, um vazio tão grande que não cabia em mim....

Era a sua irreverência expressa na lentidão das articulações do primeiro minuto da cena do filme...

A Ausência em que voce expressa o sentimento da ausência, é vista de forma muito absurda porque você não tinha a referência da Presença...

Sei que é humanamente impossível sentir a falta de algo que nunca se teve, chega a ser um exercício do sobrenatural, onde a relatividade passa para um segundo plano e voce assume o primeiro plano de cena.

Você quer saber da credibilidade e eu instigo a veracidade, acho mesmo que você não é um monstro, acho que voce não pode ser um monstro, ainda mais, um monstro produzido em laboratório.

Você até pode ser um monstro, mas do tipo que se formou sozinho, não motivado pelas ausências, mas sim, pelas presenças dos seus fantasmas mal resolvidos... dos fantasmas que você não conseguiu delinear, não conseguiu fotografar e agora tenta me assombrar nesta noite infame!

Não irei me deixar levar pelas suas loucuras, a sua ausência de juízo sempre me importunou... eu que sempre tive a lucidez suficiente para nós dois...

Você foi minando a minha confiança em você, depois foi minando a minha confiança em mim e, finalmente, tenta me apresentar um monstro como fiel parceiro para as noites insones...

Eu não me identifiquei com o Frankie, porque não lhe vi nele, porque não conheço equipe de cientistas que fosse capaz de produzir algo tão absurdo, algo tão latente em mim, algo tão distante de você...

Eu não vou voltar para a sua casa, enquanto ele estiver por lá, eu vou estar ausente durante todo o período da exibição da ausência, e vou estar presente quando voce me presentear com o seu presente isolado do futuro, sem sombras de passado.

Só peço que me entenda, pois se não lhe reconheço, não posso pedir perdão, seria o mesmo que rezar sem a fé necessária, sem as crenças, sem as velas, sem a luz, sem a fala, sem você.

Estarei ausente por um longo período, portanto, procure me manter viva em suas lembranças mais remotas, de forma que no dia seguinte, você possa me reconhecer no primeiro olhar e no último beijo.

Esta é a sua única chance de recuperar a maternidade perdida, inexistente, inócua, incolor e inodora, porque, uma vez que voce não mais bebe, de que adiantaria rolar um mar de lágrimas?

Procurarei, ao acaso, me manter mais próxima durante a minha ausência, assim você terá ao menos a mim, quando sair desse transe.

Eu ainda vou ter que lhe reconhecer, portanto, não demore muito para ir embora, assim corre o grande risco de que eu finalmente decida fugir com voce!



11/08/2008




A FUGA


Iniciei a minha fuga, naquela noite fatídica, sob forte chuva de verão. Corria descalça, levantando as pontas do vestido vermelho, que se arrastava pelo chão, confundindo e manchando as águas das enxurradas com um tom vivo, reproduzindo o rio de sangue que corria dentro de mim.

Eu corria enquanto chovia e, chorava enquanto corria. Éramos eu e o Mário Quintana, que solidariamente, corria ao meu lado. Corria o Quintana, através da sua “Maria Pluviométrica”.

Estávamos felizes, parceiros em sintonia, eu com a minha aventura noturna, ele, por ver de forma cênica, a sua personagem ganhando vida. “Quanto mais chovia, mais Maria chorava”, e íamos acelerados ladeira a baixo.

Lembrei-me, naquele instante, do Fernando Sabino, que, através de um personagem do Encontro Marcado, sussurrava em meus ouvidos: “Não analisa não”, e pensei porque logo eu fui usada nesta fala, embora não houvesse marcado encontro algum.

O grande objetivo, que só muito mais tarde iria perceber, era ir ao encontro de Maria, ao seu infinito particular, arrastando o vestido que deixava um rastro vermelho... na minha chuva de lágrimas.

A chuva forte se encarrega de apagar os rastros, o que culminava com a minha decisão de não ser seguida. O Quintana era para mim o bastante, que mais poderia desejar, além de chorar?

Chora Maria, corre Maria, pois, ainda chovia. Esta tempestade ia me descolando da realidade, retirando todos os pesos e fardos e, lá estava eu a levitar.

Era lúdico perceber o desenho de Maria que corria, com seu vestido cigano, seus tons, seus sons e soluços. Era doce como o Quintana e, irracional como Maria nunca planejaria ser.

Lá vai Maria, noite adentro, sem medo, sem amarras, sem sapatos, livre como um passarinho sem dono...

A chuva não parava e Maria, também não. O dia anunciava seus primeiros raios de sol. Maria, de alma lavada, cabelos encharcados, ia suavizando os seus passos, sem identidade nem passado.

Era uma nova Maria que renascia, um dia após o Quintana ter encenado o seu poema.

Vai Quintana, vai depressa e diz a Maria sobre a sua alegria. Vai Quintana, vai sem receio receber o carinho que ela sempre guardou para você. Vai ao encontro da sua personagem única, pois, quando a chuva cessar, Maria retomará suas forças, olhará para o horizonte e terá a certeza dos novos tempos.

Será o início de um lindo tempo, onde todo dia será dia de Maria.


MARIA BRANCO

e uma poesia de luciano fraga

BALADA PARA UM HOMEM SÓ



balada para um homem só
Tudo, tudo, tudo
era um mar de rosas,
quando o amor
virou um cruzamento...
Na esquina,
tinha um banco
noutra o apartamento.
Ao invadirmos o sinal fechado,
o inevitável desastre
com morte do acasalamento...
Agora,
no fim de linha
da Rua das Flores
eu sou o cara
que girassol...
E se o dia não permanecer
escuro
é porque sou um ex- poente
no asfalto
implorando
por um novo horizonte...

LUCIANO FRAGA

1 Responses (Leave a Comment):

Luciano Fraga disse...

Ronaldo, muito legal, inovador, mais um espaço para todos nós com seu toque de qualidade, vou linkar e divulgar, grande abraço, sucesso.