quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

LENDA UMBILICAL

Ser um na árvore,

ser a sombra que assombra

como a fome na escuridão das raízes,

ser o tronco e a seiva

ou não ser nada no esconderijo

do lenho

que virou madeira

para o meu telhado,

ou um trono nobre

que faz as cercas para o gado,

que não vira a mesa do acaso...

Madeira,

vira papel que escrevo agora

vira o piso do meu tablado

que vira casca e a lasca,

o símbolo de uma nação;

a cruz ,

da redenção,

para uns,

ou da discórdia

para quem ardeu na fogueira...

Ser nó da madeira?

Que importa,

sobre o capuz

nada é imperdoável...



LUCIANO FRAGA



Livremente inspirado em trabalho do artista plástico Ruela.

mosaico de rancores: 25

Não se precisa mais do que um par de pernas indigestas para ser vítima de um assédio. E esta noite tudo que espero é ser devidamente subtraída. Um jogo de sedução no qual não há damas nem reis nem rainhas, apenas xeque-mate e cavalos mansos que se deixam acariciar. Olhos de cegos julgam meus atos. Oráculos não desvendam meu destino. Mandalas giram como cinzeiros encima da mesa. O garçom se aproxima com passos rápidos e certeiros. Um copo de gim. É o que se pede em filmes americanos. Carrego rancores e disfarço. As máscaras vestem meu rosto e são minhas feições mais verdadeiras. Homens passam e devoram pedaços indesejáveis de mim. Ruminantes. Sinto meu coração pulsar através da minha jugular. Tenho litros de amor a oferecer, mas não posso despejá-los sobre qualquer taça. Corda bamba. Cavalos relincham ao meu redor, ignoro. Um rapaz toca levemente minhas coxas e me convida para dançar. Aceito, sei das suas intenções e elas são exatamente as mesmas que as minhas. Suas mãos deslizam sobre minhas costas e tocam meus quadris. Tremo. Elas são macias e quentes e despertam despudores. Gaivotas galopam meu corpo. Dentes perfeitos mastigam minha carne. Peixes nadam em meu umbigo. Um rio verde e calmo explode dentro de mim. Remos me conduzem. Retalhos são sombras de coisas mortas.


marcia babieri

domingo, 14 de dezembro de 2008

MOSAICO DE RANCORES: CAPITULO 23

Serpentes dançam sensuais em seu mundo. Não me sobra nada além de guizos e venenos. Você não foi capaz de me discernir. Eu não sou a comida que eu vomito, nem sou costurada com a mesma linha imprestável dos meus vestidos. Caracóis saem de suas cascas e riem da minha desgraça. Lúcido, você se confunde com seus flashs, com seus brilhos insuportáveis. Tripés. Lentes sujas. A sala agora tem a dimensão de uma fotografia 3 por 4. Os objetos fogem dos meus dedos, calos enormes atrofiam minhas mãos. Não sou Cristo, não tenho chagas, mas minhas feridas sangram com ardor divino. Não tente apalpar o impossível. Deus tentou me alertar, pena que nunca acreditei em ninguém. Cega. As traves incomodam meus olhos. Olhos na testa. Peixes mortos fingindo vigílias. Insulinas e agulhas, jamais aprendi a conviver com elas. Cateteres povoam meus braços. Morro e a morte cheira álcool e éter. Não posso continuar aqui esperando Lúcio voltar. Talvez ele não volte. Talvez tenha encontrado consolo em outros braços, em mundos menos complicados e exigentes. Um lugar onde as luzes penetrem docemente as janelas e haja violetas e gerânios na varanda. Aqui, a luz é vulgar e indecente e os cactos apenas sobrevivem sugando a fresta da minha escuridão. Pequenas cavernas se escondem no porão. Saio e procuro desejos. Sodoma e Gomorra e minhas ruelas estreitas espremendo vértebras. Alguém que possa tocar a minha pele e me causar arrepios. Um rio verde e tempestuoso escorre da minha boca. Mastigo carvalhos e cuspo flores. Minha vida descansa solene à margem.

marcia barbieri

carta resposta

Com todo o tempo que eu não tive quando ainda sofria ao seu lado, fiz de minha memoria o passatempo do meu tempo e aprendi a fazer listas de preferencias, exatamente como os orientais fazem, não sei extamente onde isto vai me levar, não sei nem mesmo se vai me levar, o que eu sei com toda a certeza é que agora as coisas ficaram mais às claras, apesar de ainda confusas, você ainda é presente em mim, como um mosntro para uma criança na hora de dormir, sei que você não estar mais aqui mas a sua presença me dar medo e me assusta.
A sua carta não me surpreendeu, eu sabia que este incomodo viria a qualquer momento, logo que eu a recebi, estava decidido a não abri-la e queima-la fechada mesmo, depois pensei em guarda-la, é guarda-la fechada mesmo, como um trunfo, que se exibe para os derrotados, mas alguma coisa dentro de mim fervia enquanto eu olhava e via aquela carta como uma arma letal que poderia ser usada contra mim se eu não a abrisse.
Li e reli a sua carta e confesso que não vou responde-la, escrevo esta tentando não ser uma resposta, antes quero lhe dizer as verdades que você sufocou todos esses anos de ausencia ao meu lado, engraçado, quando ao meu lado você aterrorizava a minha vida, sua ausencia era o meu terror, hoje quando já separados, sua presença é uma dor que eu tenho que carregar e parece para todo o sempre.
As palavras que escreveu me perseque com o som de sua voz em meu ouvido me acusando, me diminuindo e chorando seus fracassos em mim como um rio de lama que insiste em morrer e continuar vivendo.
Mas eu quero lhe falar de minha lista de preferencias, onde a musica não estar presente em nenhuma etapa, você matou em mim todo o gosto e a capacidade musical, hoje é a matematica o meu forte e agora que eu concluí o curso de matematica basica confesso que sei menos ainda, mas com uma felicidade enorme carrego na pasta o certificado de conclusão.
Você por certo vai rir e dizer que na minha idade e posição intelectual, eu já devia ter desistido das besteiras adolescentes e me focar na filosofia que é o meu forte.
Mas na verdade a matematica me sufoca e eu precisava de um alivio.
Mas para seu conforto e desespero eu apresento sem mais discussões a minha lista de preferencias:
1- Ser doutor em matematica inconclusa
2- Esquecer você
3- Ler todas as cartas que eu escrevi pra você e não mandei
4- Me mudar de país
5- Aprender a tocar piano
6- Aprender ter ritmo ( eu sei que sou desafinado e que não sei nem mesmo dançar dois pra lá, dois pra cá)
7- fazer teatro( a nossa vida de casado foi sempre uma comedia, hoje eu me interesso pelas tragedias)
8- Arrancar você de dentro de mim
9- Saber de seus segredos e divulgar para o mundo
10- Fazer morrer o eu que você machucou.

Saiba que eu escrevo esta carta, como se não tivesse lido a sua, em um esforço desconhecido pra mim, estou evitando responder a todas as suas insinuações e pautando a minha carta em meus devaneios, estou tentando não ser um reativo, não responder antes apresentar as minha questões, pra você pensar.
Quero encerrar esta carta pequena, afirmando que não sei o porque, mas não quero lhe ver de novo, mas que me agradaria muito um convite seu convite para que tal aconteça.
Sem mais deste ser que você tanto maltratou e que agora lhe ver a distancia e que é feliz na solidão dos seus pesadelos.

ronaldo braga