domingo, 28 de setembro de 2008

A POESIA DE ALYNE COSTA

Amor de praça é amor de graça
O caboclo do alto apenas vê, atado à sua condição de estátua.
Camponesas, Apolo e Diana abençoam o beijo ateu.
O pastor prega.
Crianças passeiam, festivas e belas.
Desfilam meias coloridas e o algodão-doce pincela o céu.
O namorado avassala um beijo.
E o chafariz mija de rir.
O coreto mudo chora a nostalgia...
De um tempo que amar não custava nada.

ALYNE COSTA

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

a poesia de orlando pinho

consumidores atávicos abjetos ativos
estragam matam devoram qualquer coisa
que se mexe
aprisionam aliciam docilizam
todo corpo vivo
revolvem escavam reviram toda
espécie de brilho
mares rios florestas solos
mentes corpos construções espíritos
tudo depósito de lixo
não sobra sol pra coração nenhum
pulsar em paz
a não ser em estado omisso.

orlando pinho
nasceu em santa barbara mora em cachoeira - ba

domingo, 21 de setembro de 2008

A poesia de Daniel Lopes
malícia feminina

HOJE
Minha menina dormiu a tarde toda comigo
E eu fiquei sem saber
se ela gostava de mim,
ou de dormir.

http://pianistaboxeador21.blogspot.com/



A escrita de Marcia Barbieri

MOSAICO DE RANCORES: CAPÍTULO 10


As facas estão a um centímetro da minha jugular. Não tenho medo, há muito tempo o sangue escapa do meu corpo. Olhos de peixe. Finjo dormir enquanto minhas pálpebras permanecem bem abertas. Por anos carreguei toras de madeira nas costas, pecado, crucifixo.Agora não posso evitar essa fogueira interminável, alastrando árvores, carregando carros, derrubando casas, afogando gente. Será que as coisas ressurgem mesmo das cinzas? Tenho minhas dúvidas, já provoquei muitos incêndios, mas não tenho visto nada de bonito nascer deles.Vênus abordadas.O sol bate na minha janela, aquece as cortinas, os retalhos, os restos de mim... Posso escutar o Lúcio: “Você não está vendo o sol que está lá fora?! Feche essas cortinas!” . Não, não vejo, embora o alumínio queime as pontas dos meus dedos.Não adianta, eu nunca me lembro, e é sempre a mesma fumaça que engulo. E ele nunca se preocupou, a fumaça está me asfixiando e ele nem percebe. A voz da minha irmã ecoa no velho quarto: “Deja me ajuda, me ajuda, não consigo respirar”. E daí? Não foi a asma que a matou, foi o ódio saído daquele maldito revólver. “O ciúmes é tocha em boca de alcoólatra”. E Happiness is warm gun. O que posso fazer? Me fingir de idiota como a maioria? Fingir que sou cega? Fingir que o seu sexo povoando mundos não agride o meu amor? Espadas perfuram meu útero e nem por isso gozo. Lâminas me cortam e nem por isso sangro. Eles podem gritar, eu não estou errada. Eu sei que muitas vezes abismos enganam meus pés e a fumaça que entra por aquela janela atrapalha e faz arder os meus olhos. Olhos de peixe. Mas ainda assim eu consigo caminhar com meus próprios pés.O rio verde e calmo ainda despenca no meu quintal. Vejo cardumes boiando. Milhares de olhos me observam e eu tropeço invisível sobre as pedras.

http://avidanaovaleumconto.blogspot.com/


A poesia de BIAZINHA
gestação poetica

para MarcioMiranda e Luciano fraga

Um poema é feito de palavras
palavras que são ocas
às vezes muito loucas
que dependem das bocas
que as cospem no ar.
Mas as palavras também pesam
com substâncias e consonâncias
que mordem,
agridem e sangram
na massa, carcaça
com chifre no rabo
barriga na cabeça
e a cabeça na asa
que voa
e se esfumaça no céu.
Aí a palavra se esquece
que um dia teve um pai
que a pariu e a proferiu
e a prendeu com algema
que irrompee virou poema.


Biazinha

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

a poesia

Na solidão,
a poesia, mordendo
entre
os sopros não compreendidos dos amantes,
é uma aparição desalmada e desesperada na alma,
desabrochando as tristezas aos borbotões.

No verão
a poesia nos convida,
em fluxos invernosos
a extrapolar serões e assassinar beijos.

A poesia então,
crua
cresce
a desafiar o cantar surdo
de todos os lares.

E potente,
a poesia,
nos chama
a beber o veneno do silencio e
matar para sempre o amor.

No silencio do nada,
a poesia
expulsa para longe de si,
o gosto amargo da felicidade
e dorme o sono da flores,
ouvindo as canções soturnas e delicadas.

E lá fora um desalento, um insistir...

E lá fora um insistir, um desalento...


ronaldo braga

terça-feira, 16 de setembro de 2008

2 textos de Maria Branco e uma poesia de Luciano Fraga

Ausências


Procuro e não identifico a sua presença no filme, sei que é você, mas a voz lenta faz com que seja efetivado o descolamento entre a imagem e o som, a lembrança do seu rosto ou o tom da sua voz me parece tão distante que não consigo alcançar...

Eu sabia que esta imagem ia ser decisiva para a sua partida, era voce indo e eu sentindo uma ausência absurda, um vazio tão grande que não cabia em mim....

Era a sua irreverência expressa na lentidão das articulações do primeiro minuto da cena do filme...

A Ausência em que voce expressa o sentimento da ausência, é vista de forma muito absurda porque você não tinha a referência da Presença...

Sei que é humanamente impossível sentir a falta de algo que nunca se teve, chega a ser um exercício do sobrenatural, onde a relatividade passa para um segundo plano e voce assume o primeiro plano de cena.

Você quer saber da credibilidade e eu instigo a veracidade, acho mesmo que você não é um monstro, acho que voce não pode ser um monstro, ainda mais, um monstro produzido em laboratório.

Você até pode ser um monstro, mas do tipo que se formou sozinho, não motivado pelas ausências, mas sim, pelas presenças dos seus fantasmas mal resolvidos... dos fantasmas que você não conseguiu delinear, não conseguiu fotografar e agora tenta me assombrar nesta noite infame!

Não irei me deixar levar pelas suas loucuras, a sua ausência de juízo sempre me importunou... eu que sempre tive a lucidez suficiente para nós dois...

Você foi minando a minha confiança em você, depois foi minando a minha confiança em mim e, finalmente, tenta me apresentar um monstro como fiel parceiro para as noites insones...

Eu não me identifiquei com o Frankie, porque não lhe vi nele, porque não conheço equipe de cientistas que fosse capaz de produzir algo tão absurdo, algo tão latente em mim, algo tão distante de você...

Eu não vou voltar para a sua casa, enquanto ele estiver por lá, eu vou estar ausente durante todo o período da exibição da ausência, e vou estar presente quando voce me presentear com o seu presente isolado do futuro, sem sombras de passado.

Só peço que me entenda, pois se não lhe reconheço, não posso pedir perdão, seria o mesmo que rezar sem a fé necessária, sem as crenças, sem as velas, sem a luz, sem a fala, sem você.

Estarei ausente por um longo período, portanto, procure me manter viva em suas lembranças mais remotas, de forma que no dia seguinte, você possa me reconhecer no primeiro olhar e no último beijo.

Esta é a sua única chance de recuperar a maternidade perdida, inexistente, inócua, incolor e inodora, porque, uma vez que voce não mais bebe, de que adiantaria rolar um mar de lágrimas?

Procurarei, ao acaso, me manter mais próxima durante a minha ausência, assim você terá ao menos a mim, quando sair desse transe.

Eu ainda vou ter que lhe reconhecer, portanto, não demore muito para ir embora, assim corre o grande risco de que eu finalmente decida fugir com voce!



11/08/2008




A FUGA


Iniciei a minha fuga, naquela noite fatídica, sob forte chuva de verão. Corria descalça, levantando as pontas do vestido vermelho, que se arrastava pelo chão, confundindo e manchando as águas das enxurradas com um tom vivo, reproduzindo o rio de sangue que corria dentro de mim.

Eu corria enquanto chovia e, chorava enquanto corria. Éramos eu e o Mário Quintana, que solidariamente, corria ao meu lado. Corria o Quintana, através da sua “Maria Pluviométrica”.

Estávamos felizes, parceiros em sintonia, eu com a minha aventura noturna, ele, por ver de forma cênica, a sua personagem ganhando vida. “Quanto mais chovia, mais Maria chorava”, e íamos acelerados ladeira a baixo.

Lembrei-me, naquele instante, do Fernando Sabino, que, através de um personagem do Encontro Marcado, sussurrava em meus ouvidos: “Não analisa não”, e pensei porque logo eu fui usada nesta fala, embora não houvesse marcado encontro algum.

O grande objetivo, que só muito mais tarde iria perceber, era ir ao encontro de Maria, ao seu infinito particular, arrastando o vestido que deixava um rastro vermelho... na minha chuva de lágrimas.

A chuva forte se encarrega de apagar os rastros, o que culminava com a minha decisão de não ser seguida. O Quintana era para mim o bastante, que mais poderia desejar, além de chorar?

Chora Maria, corre Maria, pois, ainda chovia. Esta tempestade ia me descolando da realidade, retirando todos os pesos e fardos e, lá estava eu a levitar.

Era lúdico perceber o desenho de Maria que corria, com seu vestido cigano, seus tons, seus sons e soluços. Era doce como o Quintana e, irracional como Maria nunca planejaria ser.

Lá vai Maria, noite adentro, sem medo, sem amarras, sem sapatos, livre como um passarinho sem dono...

A chuva não parava e Maria, também não. O dia anunciava seus primeiros raios de sol. Maria, de alma lavada, cabelos encharcados, ia suavizando os seus passos, sem identidade nem passado.

Era uma nova Maria que renascia, um dia após o Quintana ter encenado o seu poema.

Vai Quintana, vai depressa e diz a Maria sobre a sua alegria. Vai Quintana, vai sem receio receber o carinho que ela sempre guardou para você. Vai ao encontro da sua personagem única, pois, quando a chuva cessar, Maria retomará suas forças, olhará para o horizonte e terá a certeza dos novos tempos.

Será o início de um lindo tempo, onde todo dia será dia de Maria.


MARIA BRANCO

e uma poesia de luciano fraga

BALADA PARA UM HOMEM SÓ



balada para um homem só
Tudo, tudo, tudo
era um mar de rosas,
quando o amor
virou um cruzamento...
Na esquina,
tinha um banco
noutra o apartamento.
Ao invadirmos o sinal fechado,
o inevitável desastre
com morte do acasalamento...
Agora,
no fim de linha
da Rua das Flores
eu sou o cara
que girassol...
E se o dia não permanecer
escuro
é porque sou um ex- poente
no asfalto
implorando
por um novo horizonte...

LUCIANO FRAGA