Se eu pensasse um poema, teria ele a mim.
Não seria broto, nem jorro.
Seria o inverso.
Não rangeria os dentes.
Não guardaria a casa.
Não seria lobo, nem cão.
Seria poeminha de estimação.
Se eu pensasse um poema não seria ele a dor.
Porque um poema me explode.
Me abre, me rompe, me cega e me guia.
Um poema não me vive.
Um poema não me come.
Não me embriaga.
Não me mata a fome.
Não me castiga.
Nem mimo, nem intriga.
Se eu pensasse um poema não seria ele esta cor indefinível do crepúsculo.
Das sombras e sobras nos meus contornos.
Nas minhas margens.
Nas minhas sondagens.
Nas minhas obscuras:
Paisagens.
alyne costa
domingo, 30 de novembro de 2008
se eu pensasse um poema
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sexta-feira, 28 de novembro de 2008
sorriso de aluguel
sorriso de aluguel
como em um possesso jogo desesperado
almas sofridas desfilam
poses
em um interminavel carnaval de derrotados.
E os poetas da paz
beijam os anjos em noites de lua preta
e
assassinam a vida em seus belos versos corrompidos.
É um tempo de mentiras,
de vidas interditas,
e de poetas que soluçam sorrisos de aluguel
e insistem
nos fluxos invernosos que extrapolam os verões e
calam os beijos.
E é um tempo de verdades,
pois sei,
no olhar dos amantes a palavra recorta o murmurar
e desafia o cantar surdo
numa canção aos corações soturnos e delicados.
ronaldo braga
Diario do Sonho sexta-feira, 28 de novembro de 2008 Comments (0 )
domingo, 16 de novembro de 2008
OBRA PRIMA
OBRA-PRIMA
Ele realmente não se sentia bem. Uma bruta ressaca e aquela típica vontade de morrer que sempre cerca os desesperançados. Mas para ele ainda havia esperança, ainda que fosse pouca. Muito pouca. Olhou a porra do rosto no espelho retrovisor. O lado direito parecia o lado direito de um monstro, inchado, roxo, cheio de sangue seco e de sangue pisado. Que merda! Que grande merda!
Acendeu o cigarro e deu uma longa golada na última garrafa de cerveja. Nada disso faz diferença, pensou, nem a estrada, nem os pássaros, nem esse rio (porque o carro estava parado bem próximo do rio) nem o céu, nem porra nenhuma, se a gente vai pro saco, se a gente entrega a rapadura, se a gente vai embora, tudo isso continua, e o sol continua, e a chuva continua, que bosta! Estava mesmo perdendo as esperanças, ainda havia uma última, mas ele com certeza não ficaria com ela, era só uma questão de tempo.
Então terminou a cerveja e jogou a garrafa no rio. Que se fodesse a ecologia. Acendeu outro cigarro, que se fodesse a saúde também, e foi fumá-lo embaixo de uma árvore. Olhou o relógio. Ela estava atrasada. Porra! Ele tinha enfrentado toda aquela encrenca. Tinha apanhado mais que um cachorro vagabundo e agora ela se atrasava. Era mesmo pra qualquer um perder a paciência... e a esperança. Jogou a bituca do cigarro no chão e a apagou com a sola da bota. Tirou a gaita do bolso e começou a tocá-la, não tocava muito bem. De qualquer forma aquilo ajudava a passar o tempo.
Antes de terminar a primeira canção, porém, viu-a surgir junto ao Sol que nascia, no fim da estrada. Sorriu, era aquele último pouquinho de esperança. Ela veio vindo feito um gato, quando ele, o gato, anda meio de lado, com cuidado e sorrateiro. Usava um daqueles vestidos de hippie azul que ficavam tão bem nela. Ele levantou, guardou a gaita no bolso e limpou a parte de trás da calça. Sorriu, e o rosto machucado doeu.
- Nossa você está horrível, caubói. – Ela disse tentando tocar o rosto dele, mas ele evitou.
- Sua família, aqueles anjinhos, fizeram isto.
- Que merda!
- Não tem importância. Vamos? Não podemos perder tempo.
Ela sorriu de lado. Realmente parecia um gato. Olhou pro rio. Olhou para as árvores. Olhou para o céu e para o chão: nada disse.
- Que foi? – Ele perguntou – Qual é o problema?
- É que estou confusa, não tenho certeza de que estamos fazendo a coisa certa.
- Como assim?
- Não sei. Só sei que estou confusa.
- E só agora que você me avisa, Ana, que grande merda! Depois de tudo que eu me fodi, você vem me dizer que está confusa.
- Não tenho culpa é que...
- Faça-me um favor, volte pelo mesmo caminho que veio.
- Não precisa ser assim, Danilo.
- Como não? Eu arrisquei tudo. Isso não é brincadeira, porra, é a nossa vida, menina. É a minha vida. Não posso mais voltar pra casa. Não tenho mais nada.
- Desculpe... eu não queria...
- Tudo bem, não faz diferença. Pegue minha gaita, um último presente, e volte pra sua casa.
- Você vai ficar bem.
- Não, mas foda-se.
- Desculpe.
- Tudo bem.
- Caubói?
- Fala.
- Não posso aceitar a gaita.
- Pega logo a porra da gaita e sai da minha frente, pelo amor de Deus.
- Desculpe. – Ela ainda disse mais uma vez, entretanto ele não disse palavra. Ela virou de costas e foi caminhando pela estrada. Diminuindo aos poucos, ficando cada vez menor, sua imagem ficou estremecida, por causa do Sol e, por fim, desapareceu. Ele caminhou até o carro, um Maverick, é necessário dizer, apanhou no banco de trás uma espingarda calibre doze, apoiou-a no chão, tirou a bota e a meia, colocou o dedão do pé no gatilho, a boca no cano e pressionou o dedão pra baixo. O estrondo fez os pássaros voarem das árvores, junto à última esperança que escapou do corpo do rapaz.
Minutos depois, uma jovem artista, pintora medíocre de paisagens, chegou ao lugar. Antes de chamar a polícia resolveu pintar toda a cena.
E pintou uma obra-prima, porque a morte ainda estava por ali e deixou o ar mais denso e nenhum artista, ainda que fosse medíocre, poderia ficar indiferente a toda aquela atmosfera. As pessoas que viam a tela, mesmo vinte anos depois, ainda se emocionavam, sobretudo com o pé descalço do rapaz.
Daniel Lopes
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domingo, 2 de novembro de 2008
Sobra de Canção
Restam as minhas sobras, levadas ao vento...
E eu me pergunto o que não sou?
Desde que não estou junto a ti?
Tudo é difícil...
Vejo o amor como um parque repleto de alegorias.
Gangorras e almofadas coloridas.
Espero uma resposta na chuva que desaba em mim:
Lembranças, fragâncias, fotografias e questões.
Triste eu abro os olhos e vejo o amor.
Desenho meu retrato nas paredes dos banheiros.
Risco versos obscenos.
Corto minha alma em fina lâmina.
Nada sangra...
Apenas uma distância que não aparta, nem divide.
Surgem visões de pássaros e rãs...
Um piano toca só.
Acordes por nós dois.
Datas marcadas na agenda.
Esperas, compromissos, filmes adiados.
Encontro marcado com a solidão.
Monólogos, teses, coisinhas inúteis...
Poemas abortados.
Faço minha a chama da sua solidão.
Arrisco previsões.
Desligo todos os telejornais:
Chacinas, política, arriscadas econômicas...
Abraço o travesseiro e sonho.
Qualquer coisa me mostra pulsos cortados...
Corpos mutilados, carbonizados, canções boêmias como não se fazem mais...
Sirenes ressoam:
Polícia ou Ambulância?
Nada me assusta, apenas dói...
Enquanto aguardo a vida voltar a cantar cantigas de roda, cantigas de amigo, cantigas de amor...
Cantigas de Paz...
Ai, mundo diferente...
Gente assustada.
Amordaçada.
Gente com medo de gente.
E eu canto uma canção que não sei.
Uma canção que passará.
Alyne Costa
Salvador, agosto de 2007
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