quarta-feira, 29 de outubro de 2008

dormindo em cima da propria merda

Tem sido duro e dificil escrever pra mim nos ultimos dias, e essa dificuldade acaba por se tornar o meu assunto, expediente que já venho usando e abusando, revelando uma total falta de criatividade e até mesmo vindo ao encontro de afirmações maldosas contra a minha escrita.
Escrever como um ato de revelações de foro intimo há muito está totalmente fora de questão, por razões meramente geopolitica e ainda mais numa idade em que tudo começa a perder o colorido e ganha aquele tom acizentado, onde se impõe certezas de um "não é bem assim", por outro lado o escrever passa a ser ele mesmo o meu argumento e conteudo, permitindo um juizo de valor do proprio ato da escrita.
Pensar politicamente para mim já faz muito tempo se transformou ou em um ato de intolerancia aos poderes constituidos ou em um ato completamente incorreto, a vida cresceu e se tornou exigente, não mais suportando frases prontas ou posições onde nada mais que a torcida ou a fé prevaleça, a fé é um contorno de auto ajuda onde falta fé em si e sobra espertezas e golpes em todo o corpo da propria fé, uma liturgia do fracasso, onde o derrotado é louvado como um vencedor e pode então dormir em cima da propria merda.
Tem dias que as palavras só tem sentido fora da sua propria representação, como um oco que propaga seu proprio nada, e então é nestes solenes momentos que eu junto letras e formo dores, ou vazios, que ameaçam, que assustam mas que pode ser uma estrada torta e é nesse caminhar que minha alma melancolica estanca admirada pelo nada dos simbolos, por que eu os vejo, palavras e coisas, separadas e em linhas completamente adversas, já não mais existe o entendimento imediato do acordo e eu posso como um lunatico saber das mentiras das palavras e ver e ler sentimentos e intenções.
Escrever ainda é inutil, por que sempre foi inutil e essa inutilidade nutre e fortalece o meu existir, desprovida de uma função socio religiosa, o escrever ganha uma dimensão magica e então morde seu proprio pé.
Palavras desfilam em memorias cheias e tumultuadas e eu sinto a necessidade de um esvaziamento, de uma direção e sei o quanto tolo é o sabio, esquecido em catalogar quantidades e sem tempo para o seu proprio devaneio.
Eu escrevo não o que sinto, antes escrevo sobre o que sinto do meu sentir e o meu corpo, não é um peso, mas sim um eu mesmo fisico, onde uma luta precisa ser travada e o conhecimento escolhido. Não há lugar no corpo para o sabio, para ser sabio é preciso primeiro assassinar o corpo e mergulhar na fé do ensinamento, do controle e acima de tudo do sofrer e do pior objetivo que pode existir numa pessoa: a capacidade de se acreditar portador de uma missão. Eu escrevo para o corpo e para os sentidos vindo dos sentidos, eu sou um paradoxo E meu paradigma é a minha propria queda.

ronaldo braga

domingo, 12 de outubro de 2008

Poesia

Palavra



Haviam poetas tortos

pequenos errantes

sem porvir

aqueles papéis esvoaçantes de

letras castas

sem ferir

interpérie espécie

viver à luz

de qual miséria?

Miséria é letra vazia

daquela de nada dizer

de um tal discurso

tocado ao vento

e que, sem perceber,

some.

Palavra é para ser respirada.



Beatriz Rodrigues [também conhecida como Bigatrice]

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

A POESIA DE DANIEL LOPES

TRÊS


Já aprendi a ir embora
O que não quer dizer que não doa
Eu empresto meus pés ao vidro
Eu empresto meus olhos aos punhos
Eu empresto meus dentes ao caos
Eu ofereço dez mil faces novas a dez mil mãos espalmadas

Não é por bondade
Nem é por maldade
É por ser gente

Há muito
Deixei de entoar cantigas de guerra
Mas invento novos impérios vermelhos
E crio línguas outras
E faço as religiões que me convém.
Não sei se é já esta a minha hora
Quem sabe?

Mas enquanto as borboletas,
De asas dadas, vêm trazendo a primavera
Deixo um conselho simples às lebres
- Não se metam com a fúria do Leão.

DANIEL LOPES